sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Relações humanas ou meramente consumeristas?

O sentimento que lhe consumia, à iminência do dia 15 de cada mês, podia ser comparado ao do condenado, que aguarda no corredor da morte, a data da execução: semelhante agonia, e a esperança da não concretização do prognóstico sombrio.

Em ambos os casos, o arrependimento consome o ser, porém nada mais há que se fazer a não ser aceitar o destino. Quanto a ela, seria possível vislumbrar uma solução; implantar é que não lhe apetecia.

A sedução das vitrines, os chamarizes divulgados em endereços eletrônicos e mídias sociais, o desejo de ter o último lançamento de cosmético, a bolsa na cor da estação, o sapato que combina com aquela calça jeans; motivos não faltavam para que extrapolasse o orçamento.

A cada fatura que chegava, o remorso apagava as fugazes fagulhas de felicidade. Pagas as contas, não restava um vintém sequer na carteira, e os cartões plásticos tornavam-se perfeitos estopins para o reinício do ciclo vicioso, do qual ela não fazia muito esforço para se livrar.

É, o bem sucedido ramo de marketing e propaganda, aliado à falta de valores sólidos do qual padece a atual sociedade, tem fomentado verdadeiros desastres. A mulher descrita nas linhas acima podia ser eu, ou você, e estou certa de que tanto você quanto eu conhecemos alguém assim.

A ânsia do ter tomou, de forma avassaladora, o que bastava outrora: o ser. Somos ridículos, ao ponto de não medir esforços para manter aparência. Não basta que tenhamos saúde, casa, comida e roupa lavada. O que queremos é a casa em endereço nobre e mobília suntuosa; a comida tem que ser orgânica e de preferência
refinada; a roupa há de ostentar etiqueta ou sinal visual distintivo bem à mostra.

Poder-se-ia prolongar esse texto à exaustão, com menções aos “sinais de sucesso”, que vão dos carros e aparelhos celulares a uma infinidade de supérfluos. Há algo mais absurdo, por exemplo, que um equipamento para balançar o berço de uma criança?

Estamos substituindo as interlocuções pessoais por troca de mensagens de texto, através de nossos tecnológicos computadores pessoais; os abraços e beijos por caracteres; as recepções em petit-comitè por reuniões superficiais em bares, mesas repletas de conhecidos em conversas rasas.

Enquanto as operadoras de cartões propalam a felicidade ao alcance da maquineta, e a mídia incentiva os gastos vazios de sentido, nossas crianças crescem acreditando que temos obrigação de lhes prover o último lançamento da indústria de brinquedos, e repelem aqueles que, culturalmente, auxiliaram o desenvolvimento de nossos avós, pais, e até de nós mesmos.

Experimente dar ao seu sobrinho, por exemplo, um peão; à sobrinha, uma boneca de pano; a ambos, uma corda de sisal. O retorno provavelmente será uma cara feia, e o artefato deve ter como destino o baú, ou a caridade. Em contrapartida, para lhes comprar o afeto, presenteamos com o jogo para vídeo-game, com a boneca que dança sozinha.

Até quando substituiremos os passeios nos parques pelas idas aos shoppings? Ou escolher os restaurantes pela área de entretenimento infantil, para termos “um pouco de paz”?

Estamos passando às futuras gerações o conceito de que as relações podem ser compradas, negociadas. É bom nos precavermos, pois o futuro nos reserva a velhice, e sem relações de afeto que unem mais que laços de sangue, nosso provável destino será a frieza dos asilos. Custeado pelo amado patrimônio que construímos hoje, na ânsia de aparentar sucesso e prosperidade.

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