segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Cartas para Alícia - II

Na carta anterior, eu pedi que você não culpasse seu pai, quando tivesse capacidade de compreender o que aconteceu; e hoje, conversando com uma mãe, acabei me dando conta de que não posso contar com isso, porque vai acontecer. Você vai acusá-lo, ainda que ouça os motivos, saiba o que de fato há por trás de tudo; especialmente se algo não ocorrer conforme a regra geral, sei que muitas lágrimas rolarão, e que o seu coração, sangrando, há de bradar algo do tipo "mas você é que é o meu pai, e só você poderia ter feito, e não fez!".

Quero que saiba que, enquanto escrevo essas linhas, rogo a Deus para que a proteja de tudo e de todos, para que haja alegria e contentamento nos seus dias longe de todos nós. E que, quando for chegada a hora, você leia cada palavra dessa e possa sentir a verdade do que já foi dito.

Toda hora que abro a porta do seu quarto, lá no nosso apartamento, e vejo tudo o que preparamos para você, sinto um nó na garganta; quando penso nas coisas que você não vai vivenciar, nos vínculos que serão afrouxados ou desfeitos, em tudo aquilo que temos construído juntos - seu pai, eu e você - questiono onde foi que erramos, o que deixamos passar que acabou resultando nisso... aí ouço sua voz dizendo "eu não quero ir embora, tia Tati, não quero deixar os meus amiguinhos da escola", e isso reverbera noite e dia na minha cabeça.

Como advogada, sei que, acima de qualquer convenção social, qualquer motivo fútil, egoísta, revanchista, deveria ser colocado de lado em prol da manutenção do domicílio que melhor atenda às suas necessidades físicas, psicológicas, emocionais, além dos vínculos familiares e escolares com os quais você cresceu e viveu até hoje. Como sua tia, como esposa do seu pai, como ser humano, mas acima de tudo, como mulher, sei quais as consequências futuras dessa ruptura brusca, ainda mais no tocante à relação de filha e pai.

Um dia, você saberá que a forma como vai se relacionar com o gênero oposto perpassa pela relação havida com o pai; enquanto muitas mulheres, hoje, buscam nos parceiros suprir a ausência da figura do pai, você, futuramente, vai se aperceber que fora usurpada da possibilidade de ter estabilidade nessa seara, e com isso, há uma chance gigantesca de que você faça escolhas equivocadas, e sofra.

Mas ainda há uma chance. Eu tenho esperança de que, quando você vier a ler essa  e as demais cartas, possamos rir de tudo isso, lá na sala do nosso apartamento. Ou no seu quarto. 

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