Não era possível afirmar desde quando aquela sabiá estava ali, naquele cantinho, dentro da gaiola. Todos estavam acostumados à presença, de modo que - cantando ou não - tornara-se parte da mobília, mera propriedade da qual se podia fruir e dispor, a qualquer tempo.
Água fresca, comida em horários determinados, uma tina para se refrescar do calor dos trópicos. Nada além disso. Dedicava seus dias a observar o vai-e-vem dos moradores e empregados, vez em quando abordada por alguém, via de regra que lhe solicitava a cantoria que se espera de um pássaro.
Eles, porém, não sabiam da tristeza que corroía o coração da ave. A própria, por sinal, sentia que em si avolumava-se um sentimento inexplicável. Tocava as grades de sua gaiola, como que testando os limites físicos que a separavam do mundo lá fora. E sonhava com o dia em que, por descuido alheio, ou extrema perícia própria, haveria de atravessar a portinhola e ganhar os ares...
Mal sabia a pobre ave quão desolador é o destino daquelas que crescem ladeadas de barreiras!
Ao contrário daquelas cuja liberdade foi tolhida a certa altura da existência, as cativas limitam-se a sonhar com o desconhecido mundo. Vivem, dentro de si, um idealizado desejo e sentimento; irreal e perigoso, posto que despreparadas. Sequer saberiam alimentar-se, defender-se, abrigar-se, conviver com seus pares!
É certo que o desfecho do pássaro liberto, via de regra, é manter-se nas imediações do antigo cativeiro: a um, por haver crescido ali e nutrido apego; a dois, simplesmente por não saber o que fazer com essa nova vida.
Entre morrer trancafiada e segura
ou entregar-se às desventuras do desconhecido,
o que escolher?
Oi. Gostei do modo que você escreve. Seus textos são agradáveis.Boa sorte.
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