A tarde de domingo foi especial, porém findou escura não só em função do cair do sol, mas da tristeza da minh'alma em razão da perda com a qual ainda não me acostumei.
João e eu estávamos deitados numa rede na varanda da casa da Roberta, lá na serra de Maranguape. Entre cochilos e preguiça, nem sei que hora era aquela quando ele levantou e saiu. Fitei o horizonte e desci... também sem precisar o exato tempo que ali permaneci. O desmaio do sol, a brisa discreta que movia as folhas, e um sentimento conhecido chegou e sentou ali ao meu lado. Quase posso dizer que sentou em meu colo, posto que não o rejeitei, aceitei sua companhia e me deixei levar.
Incrível, porque muito mais tarde, já na solidão do meu quarto, li um trecho da entrevista do Ferreira Gullar, poeta e pai de dois filhos esquizofrênicos, um dos quais já desencarnou. As palavras expressavam exatamente o que eu vivi naquele instante na serra:
Como é seu método para fazer poesia?
Já fiquei doze anos sem publicar um livro. Meu último saiu há onze
anos. Poesia não nasce pela vontade da gente, ela nasce do espanto,
alguma coisa da vida que eu vejo e que não sabia. Só escrevo assim.
Estou na praia, lembro do meu filho que morreu. Ele via aquele mar,
aquela paisagem. Hoje estou vendo por ele. Aí começo um poema… Os mortos
veem o mundo pelos olhos dos vivos. Não dá para escrever um poema sobre
qualquer coisa.
O mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo
sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma
explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não
explicado se revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não
se sabe pode ser poesia.
Quando o João me achou sentada defronte a cidade lá embaixo, eu disse algo do gênero, mas com outras palavras. O abraço silencioso, o carinho, a paz que experimento estando em sua companhia me permitem chorar sem dar explicações. Porque o que me dói é ver o que aquela criança jamais verá; experimentar o que ela nunca será capaz de fazer; envelhecer, enquanto ela será eternamente uma imagem infantil, congelada em fotos e memórias.
Ainda que eu não escreva poesias, transcrevo o que vai aqui dentro para tentar compreender os fatos, aceitar (ainda que momentaneamente) o que aconteceu, superar (se é que isso é possível). Receio que o principal motivo de escrever insistentemente sobre esse assunto seja uma forma de fugir, não sei. Ou de deixar registrado o quanto ainda dói, mesmo após 3 meses.
Creio que, para sempre, eu verei as coisas por ela. Por nós duas. Pelo que nunca foi, nem jamais será.
Engraçado, há muito tempo não tenho essa sintonia de opiniões e pensamentos, muito menos de sentimentos... Eu vivo "vivendo" coisas pelo meu avô. 9 meses se passaram e o vazio é o mesmo, às vezes parece crescer, toma proporções absurdas, como se fisicamente faltasse um pedaço. São cores, sabores, sons, que eu experimento e imagino o quanto ele apreciaria... Sem considerar as vezes em que tudo o que eu queria era o colo dele para me esconder, o abraço forte e as palavras de calma.
ResponderExcluirAh, como eu queria agora ouvir ele perguntando o que poderia fazer para minhas lágrimas pararem de verter...