Há tempos, venho negando a mim mesma a realidade dos fatos. Abstraio, finjo que não é comigo, minimizo. Mas a ela faz questão de ser cruel, mostrar-se quando menos se espera.
Não é de hoje que o estado de saúde do meu avô está crítico. Entre internações, surtos, pneumonias e o Parkinson, vivemos em suspenso, sem saber quando o telefone vai tocar com a fatídica notícia.
Esta noite, estive conversando com meu tio e minha avó, arrematando detalhes sobre a sexta-feira... vovô está possivelmente com a mesma virose que nocateou meu irmão esse final de semana. Como ele dormia, após outra sessão de aerosol, deixei para vê-lo ao final da "visita".
Pela primeira vez, a visão me assustou. Aquele homem que me colocava de castigo, ajoelhada sobre o milho, que tantas vezes me levou à padaria e me presentou com sonho, que consertava tvs jurássicas, e tudo o mais que se pudesse imaginar, deu lugar a um ser pálido, absurdamente enrijecido e fragilizado, totalmente dependente.
Meus olhos descortinaram o véu que eu insistia em manter, por receio. Por mais que seja o curso natural, e no caso dele, até um alívio a tanta provação em vida, não estou preparada. Não mesmo. Ouvir que ele tem falado com as pessoas ao telefone, despedindo-se, é lancinante. Poxa, eu sempre imaginei que o veria chorar ao me ver vestida de noiva, percorrendo o caminho ao altar de braços dados e sorriso franco.
Certo dia, eu ainda iludida com a pseudo-certeza de que me casaria com (...), empurrava a cadeira de rodas dele até a cozinha, quando ele virou o pescoço e me olhou, perguntando se eu já havia me casado. Ri francamente, fazendo piada da minha condição à época, perguntando se ele se recordava de haver me levado ao altar. Ele voltou a cabeça à posição original e disse "não, não me lembro". Então eu disse que ele estaria lá quando isso acontecesse.
Como não posso lutar com o destino, só me resta pedir a Deus que tenha misericórdia dele, para que não se martirize, não sofra além do que já está passando.
Eu não quero dizer adeus...
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