Minha profissão e meu estado de saúde são um típico casal bate-apanha-chora-acaba-perdoa-volta, em looping infinito. Daí ontem, para minha surpresa, aguardava há três horas pela minha vez de realizar sustentação oral, quando um processo pautado imediatamente anterior ao meu quase me fez chorar. Explico.
Recorrente com 36 anos, auxiliar de cabeleireira, portadora de fibromialgia e depressão, cujo pedido de amparo ao portador de deficiência fora julgado improcedente. A perícia, realizada por médico ortopedista (!), atestou que "A periciada apresenta fibromialgia, escoliose lombar e depressão. A fibromialgia pode ser tratada com relaxantes musculares e prática de atividade física. A escoliose não está causando limitação funcional, apenas deformidade estética. No entanto, a pericianda apresenta quadro depressivo que necessita de tratamento e acompanhamento com psiquiatra e psicólogo. Portanto, atualmente, a periciada apresenta incapacidade total e temporária para o trabalho devido depressão."
Pausa para que uma lágrima escorra pela face...
Bom, eu não aguentei... levantei e fui até a bancada, e disse à Presidente da Turma que sou portadora de fibromialgia, para surpresa das 3 juízas; elas então passaram a me questionar sobre diversas coisas. Eu disse, categoricamente, que o diagnóstico é feito após serem descartadas uma série de outras doenças, e que nenhum exame se presta a isso. Como eu não me contenho, pedi vênia e afirmei que o laudo deveria ter sido feito por psiquiatra ou reumatologista.
Veja bem, eu convivo com o diagnóstico há 2 anos e pouco. Isso porque, após anos tratando isoladamente os sintomas com diversos especialistas, eu mesma pesquisei e cheguei à conclusão de que deveria consultar um reumatologista, que foi quem de fato concluiu o "diagnóstico".
A OMS reconhece a fibromialgia desde 1992; os parâmetros definidos pela Sociedade Americana de Reumatologia, em 2010, para o diagnóstico são:
a) Ter um índice de dor generalizada de 7 (em escala de 0 a 19) e índice 5, em escala de gravidade sintomática de 9 pontos; ou índice de dor entre 3 e 6, porém com escala de gravidade sintomática de 9 pontos;
b) Ter tido esses sintomas, na mesma intensidade, por pelo menos três meses;
c) Não ter algum outro problema que possa ser a origem da dor. A equipe médica deve fazer um diagnóstico diferencial, para descartar outras patologias que possam ser confundidas com a fibromialgia, como a polimialgia reumática, infecções virais, artrite reumatoide em fase inicial, déficit severo de vitamina D, tumores cancerosos malignos, entre outros.
Só para ilustrar o quanto as especialidades generalistas estão aquém da capacidade de diagnóstico, compartilho aqui o link de uma entrevista feita com o médico Fernando A. Rivera, que trabalha na Clínica Mayo de Jacksonville, na Flórida, Estados Unidos, é membro do Colégio Médico dos Estados Unidos e docente da Escola de Medicina associada à Mayo. O título da entrevista é: "Especialista explica a fibromialgia, doença crônica do sistema nervoso".
Você deve estar se perguntando o porquê desse post... explico: se nem a comunidade médica está preparada para diagnosticar e tratar a fibromialgia, o que podemos esperar de juízes que julgam causas envolvendo laudos médicos???
Minha opinião pessoal? Não há esperanças, minha gente; saí da sessão ontem pensando que um câncer, apesar do estigma, é factível... exames de sangue, de imagem, são capazes de atestar, e assim o paciente pode se submeter ao tratamento sendo amparado pelo sistema previdenciário ou assistencial. Para quem tem fibromialgia, restam opções como seguir trabalhando, sem chorar nem reclamar, e principalmente, sem se ausentar do trabalho para não ser demitido; ser cobaia de tratamentos experimentais, com fármacos os mais diversos, que alteram a química cerebral, cujas bulas parecem tratados de efeitos colaterais. Não temos direitos, ninguém nos enxerga, somos um exército de zumbis que vagueia perdido e sem perspectivas.